domingo, 30 de janeiro de 2011

O SAPATINHO DE NATAL, de António Cardoso Ferreira


Era uma vez um par de sapatos nº 26, castanhos-claros, que tinham o sonho de servir de sapatinhos de Natal.
Tudo começou assim:
- Este par de sapatos foram comprados pela mãe do André, quando ele fez anos, e desde então andavam quase todos os dias, calçados pelo André, a correr pela casa, pelas ruas e pelos jardins. Ouviam falar do Natal mas não sabiam o que era, até que numa noite viram pôr na chaminé um sapato do pai do André, outro da mãe, outro do mano Pedro e outro ainda do André, mas este último foi uma bota que se ficou a rir deles porque era maior e mais velha. Despediu-se do par de sapatos com uma piscadela do atacador e disse: “amanhã é que vão gostar de me ver, cheia de coisas boas!”
Os sapatos ficaram muito intrigados e não dormiram quase nada. Na manhã seguinte o André calçou-os à pressa, foi a correr até à chaminé e ficou muito contente com os brinquedos e chocolates que estavam encavalitados na bota, cheiinha com tantas coisas dentro que nem cabiam lá todas… O André disse que tinha sido o Menino Jesus que tinha vindo na noite de Natal e tinha posto aquilo tudo.
Desde então, os sapatos não pensavam noutra coisa… “Para o ano somos nós”, diziam eles. “Quem vai ser escolhido – tu ou eu?” E sonhavam com isto, enquanto iam olhando para o calendário… sim, eles já sabiam ler pelo calendário que o Natal era na noite de 24 para 25 de Dezembro.
Mas quando o Natal chegou, foi outra vez a bota quem teve a honra de ir para a chaminé. Ela bem lhes explicou que era maior e mais velha e por isso cabiam lá mais coisas, mas eles ficaram inconsoláveis…
Ora aconteceu que na primavera seguinte deixaram de ver as botas do André e perceberam que elas já não estavam lá em casa. “Agora é que vamos ser nós! Vais tu ou eu?”… e foram contando os dias que faltavam. 
É verdade que, desde Outubro, o André calçava-os menos vezes e havia agora um novo par, novinho em folha, que ele usava mais. Davam-se bem uns com os outros mas o nosso par ia repetindo: “Nós somos mais velhos, vamos ser escolhidos, com certeza!”.
Na manhã da véspera de Natal, a mãe do André foi buscá-los, escovou-os, engraxou-os muito bem e meteu-os numa caixa. Ficaram muito orgulhosos porque isso devia querer dizer que um deles ia ser posto na chaminé, nessa noite. No entanto, a seguir ao almoço, a mãe do André pegou na caixa e saiu com eles. Andou, andou, e depois perceberam que a caixa mudou para outras mãos no meio duma conversa que não entenderam muito bem.
Continuaram às escuras lá dentro, toda a noite, até que de manhãzinha ouviram gritos e risos de crianças e, quando a caixa foi aberta, viram um menino que não conheciam, muito contente, que lhes fez festinhas e os calçou. Perceberam então que tinham passado a noite noutra chaminé, encavalitados numa bota, na companhia de uns bombons e de um cavalinho de madeira.
O nosso par de sapatos ficou muito feliz, porque não havia dúvida que a mãe do André os tinha levado ao Menino Jesus e que, melhor do que servirem de depósito para as prendas de Natal era serem eles próprios a prenda que o Menino Jesus tinha oferecido àquele novo amigo. E acharam também que o presépio devia ser aquilo: o menino que os calçava estava sentado ao colo da mãe e do pai, todos abraçados e cheios de alegria.
E diziam os sapatos um para o outro:
Melhor ainda que dar prendas é sermos nós próprios, uns para os outros, a mais bela prenda de Natal!”

António Cardoso Ferreira

 Publicado no Jornal "Notícias de Gouveia"

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