sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

História do tesouro perdido, achado e fechado (a propósito do Congresso do Associativismo e da Democracia participativa), por António Cardoso Ferreira


Era uma vez um país que foi obrigado a viver muitos anos sem um tesouro que lhe tinha sido roubado e que um dia finalmente voltou a conquistar. As pessoas abraçaram-se deslumbradas, abriram o cofre onde estavam a democracia, a liberdade, a solidariedade, a cidadania e muitas outras pedras preciosas que puderam tocar com as suas próprias mãos, e com esse tesouro começaram a fazer algumas maravilhas e também alguns disparates, porque nem todos estavam preparados para esta surpresa, e porque a palavra “poder” é equívoca em português – tanto pode significar “ser dono de” ou “ter autoridade para” como “ter capacidade para“ ou ainda “ter a responsabilidade de“.
Nestas andanças, o povo, com o poder nas mãos, escolheu alguns dentre si, em quem confiou para gerirem o tesouro reconquistado e pô-lo a render para todos. Contudo, entre os eleitos, havia uns tantos indivíduos contaminados pelos equívocos da palavra “poder”.
Com o passar dos tempos, os eleitos foram-se fechando com o cofre do tesouro num castelo de muros muito altos e o povo foi-se desinteressando do que se passava lá dentro, e começou a passar mais tempo sentado, nos sofás, nos estádios e noutros locais de consumo.
Hoje, é já grande o fosso entre o povo e os muros do castelo, mas não há dúvida que esse fosso tem sido escavado por todos.

Poderia este país ser Portugal? Uns dirão que sim, outros dirão que não…
Se este país fosse o Portugal de hoje, e houvesse um tesouro de pedras preciosas à guarda dos responsáveis pela nação, talvez já houvesse gente a pensar que o governo devia vender esse tesouro para pagar a nossa dívida e tentar acabar com a crise…
Mas tranquilizemo-nos. Esta história é pura ficção. Aliás, é um erro comparar a democracia, a liberdade, a solidariedade, a cidadania, e outras palavras da mesma família, a coisas como pedras preciosas, por muito valor que estas possam ter… É que, se reflectirmos sobre o sentido daquelas palavras, vemos que não podem ser comparadas a coisas, porque são palavras que vivem no interior das pessoas e que crescem através da relação das pessoas umas com as outras, olhos nos olhos, mão na mão… palavras que entram em diálogos que se transformam em partilha e alargam a nossa leitura da realidade, e se tornam depois cooperação, construindo os alicerces da mudança…
Não, palavras como democracia e solidariedade não são comparáveis a coisas que nos possam ser roubadas ou que alguém venda por dinheiro. No entanto, é verdade que nos podemos ir esquecendo que as temos cá dentro, tal como o povo daquele país, que começou a desinteressar-se delas, passou a viver sentado e contribuiu para que aumentasse cada vez mais o fosso entre si e aqueles que tinha eleito.
Ao esquecermo-nos de que temos estas palavras dentro de nós, desaprendemos que elas podem ajudar-nos a abrir as portas para sair do que temos chamado “crise económica” e que talvez seja sobretudo uma crise de cidadania, a qual assenta na justiça social, na solidariedade e na democracia participativa.
Talvez as portas que precisamos de abrir não sejam as que a sociedade de consumo nos apresenta e talvez os investimentos a fazer não sejam pelo caminho do “ mais ter “ e “ mais poder” à custa de especulações e injustiças.
Mas para descobrirmos as portas que nos podem levar à construção da cidadania, temos de nos erguer dos sítios onde nos sentámos e dialogar com os que se confrontam com a mesma realidade e que têm a mesma procura de libertação solidária. Só então podemos partir juntos pelos caminhos da mudança, sabendo que estes podem ser incómodos mas conduzem ao “ mais ser “.
Tudo isto vem a propósito do Congresso do Associativismo e da Democracia Participativa, que vai realizar-se no ISCTE, em Lisboa, nos dias 13 e 14 de Novembro de 2010. É um congresso aberto a todas as associações, ONG’s e cidadãos que, nestes tempos difíceis, em vez de “encolher-se” queiram criar laços entre si e construir cidadania.
O Grupo Aprender em Festa tem vindo a participar na preparação deste congresso, juntamente com várias associações.
Quem estiver interessado em esclarecimentos mais concretos, conteúdos dos temas a debater, inscrições, poderá visitar o blogue www.movimentodoassociativismo.blogspot.com ou contactar o GAF ou ainda telefonar-me para o 963084999.
António Ferreira

Publicado no Jornal "Notícias de Gouveia" 

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