sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Conversas na praia com o Menino Jesus, outras crianças e gente de todas as idades, por António Cardoso Ferreira

Na Bíblia há muito poucas referências à infância de Jesus e nada consta sobre possíveis idas à praia enquanto criança. No entanto, lembro-me de há muitos anos me ter sido contada uma estória sobre Santo Agostinho, em que este andava passeando numa praia, embrenhado em profundos pensamentos para tentar compreender a essência de Deus, e reparou numa criança que repetidamente ia à beira do mar encher o seu balde com água, despejando-a depois numa cova que tinha feito na areia. Curioso, Agostinho perguntou à criança porque fazia aquilo e esta respondeu-lhe que estava a tentar deitar para aquela cova toda a água que havia no mar. E quando Agostinho lhe explicou que era impossível tirar com aquele balde toda a água do mar, a criança, que, afinal, segundo a estória era o Menino Jesus, olhou-o e retorquiu-lhe que também era impossível ele, Agostinho, entender todo o mistério da essência de Deus…
Há poucos meses, ouvi a um professor brasileiro outra estória igualmente acontecida com uma criança na praia, desta vez em diálogo com um cientista de um observatório de biologia marítima situado ali perto. A partir do observatório, o cientista reparara que todos os dias uma criança percorria a praia apanhando uns objectos da areia e atirando-os para o mar. Tantas vezes isto aconteceu que o cientista resolveu ir até à praia e tentar perceber o que a criança estava a fazer. Viu então um menino que se entretinha a apanhar estrelas do mar que estavam na areia, após o que as lançava à água. Perguntou ao menino porque fazia aquilo e este respondeu-lhe que naquela praia muitas estrelas do mar eram trazidas pelas marés e morriam na areia. Assim, ele procurava salvá-las, devolvendo-as ao mar. O cientista explicou-lhe que muitas outras estrelas do mar morriam pela mesma razão em praias de todo o mundo, pelo que o número de estrelas do mar que ele conseguia salvar era tão pequeno que nem se iria notar nenhuma diferença a nível mundial em virtude do seu esforço. Portanto, não valia a pena o menino estar a cansar-se com tanto trabalho todos os dias… Dito isto, deixou a criança pensativa e prosseguiu o seu passeio pela praia. Quando voltou para trás, verificou que o menino tinha voltado à sua actividade anterior, e, logo que viu o cientista, chamou-o e disse-lhe: - “ Isto pode não fazer grande diferença no mundo, mas, para esta estrela do mar que tenho na mão, faz toda a diferença!” – e lançou-a com força para a água.
Quando ouvi esta estória fiquei a pensar que a criança das estrelas do mar era parecida com aquela que falou com Santo Agostinho… Porém, todas as crianças são parecidas, no olhar, no riso, no choro, na tranquilidade do sono, na atitude de entrega em quem confiam, no abraço à natureza, e na procura de saber os porquês e os comos para descobrir novos caminhos. Por detrás da cor da pele, das eventuais deficiências, e do lugar do mundo onde se nasce, cada criança é portadora de imensas potencialidades que anseiam por desabrochar e nos desafiam a todos, desde as famílias e comunidades locais até aos decisores da política mundial, a proporcionar um bom desenvolvimento dessas potencialidades que apontam para o mais-ser.
Por estes dias, nas praias da Nova Zelândia e Sesimbra, andei a ler Leonardo Boff, que diz serem três os nós problemáticos que, urgentemente, devem ser desatados: o nó da exaustão dos recursos naturais não renováveis, o nó da suportabilidade da Terra (quanto de agressão ela pode suportar) e o nó da injustiça social mundial. Mas acrescenta que a solução para os referidos problemas não se encontra nos recursos da civilização vigente, pois o seu eixo estruturador reside na vontade de poder e dominação. Segundo Boff, o sonho que tem mobilizado o mundo moderno consiste em espoliar ao máximo os recursos do planeta, conquistar povos e apropriar-se das suas riquezas, buscando a prosperidade mesmo que seja à custa da exploração da força de trabalho e da delapidação da natureza. Para que esta ânsia de poder e dominação não leve a humanidade, e a Terra, a um impasse fatal, urge fazer uma revolução civilizacional.
Foi a partir destas conversas e reflexões à beira mar que me veio a ideia de oferecer aos meus amigos, como prenda de Natal de 2010, um pedacinho de concha, de Sesimbra ou da Nova Zelândia, lembrando que, para as crianças mais pequenas, mesmo um pedaço de concha sem valor comercial as pode surpreender pela cor, pela forma e pelo tacto, fazendo-lhes nascer um sorriso com que abraçam a natureza. E os meus votos de Boas Festas incluem o desejo de que tentemos salvar as “estrelas do mar” que estejam ao nosso alcance e procuremos interagir com todos os que sentem necessidade de participar na tal revolução civilizacional que poderá reequilibrar a Terra e tornar a Humanidade mais solidária e feliz.

António Cardoso Ferreira

Publicado no "Notícias de Gouveia"

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